Aquela foi talvez uma das manhãs mais importantes de toda vida de toda minha vida: Não é todo dia que se acorda ainda com a coragem dos minutos antes de dormir. Eu estava decidida a mudar e a deixar que mudassem sem mim. Levantei da cama e antes que eu pudesse desistir, arrumei minhas coisas e saí.
Dentro da mala um pouco de dinheiro, meia dúzia de peças de roupa, algumas canetas, envelopes e duas folhas em branco. Caminhei até o centro da cidade, e em poucos minutos, enquanto o sol ainda nascia no horizonte, cheguei na praça que ficava logo em frente ao correio.
Sentei no banco e peguei os as folhas em branco. Escrever sobre o ínicio no final era uma terefa difícil.
Mas eles mereciam o meu sacrifício:
Se quer saber, nunca cheguei a te deixar de verdade. Você de alguma forma, sempre esteve comigo. Dentro da minha mente, preso no meu coração, em cada palavra que escrevo. Por isso, quero que guarde em sua lembrança apenas nossos melhores momentos, aqueles em que o nosso amor andou de mãos dadas com minha inquieta paixão. Tente se possível esquecer do quanto me tornei insuportável. Do quanto não enxerguei a sua vontade de me ver e fazer feliz.
Demorei um certo tempo pra entender tudo isso. Eu era muito nova e inexperiente pra saber te apreciar.
Acho que agora eu finalmente aprendi. Mas é tarde.
Não quero que termine de ler essa carta e sinta o sentimento de quem perdeu pra sempre o grande amor de sua vida.
Eu não sou a mulher da sua vida. Eu sou a mulher que te fez ver a vida de uma maneira diferente.
Terminei de escrever e enfiei a folha, sem reler, em um envelope vermelho amassado.
Peguei a outra folha que me restava, e comecei a escrever novamente.
Sempre pedi para que Deus me provasse sua existência com um anjo. Hoje sei que ele fez isso.
Você surgiu, levando todo meu juízo, me fazendo mudar de direção e a parte mais importante: fez tudo isso sem me deixar por um só instante.
Eu nunca pensei que encontraria nesse mundo tão sujo alguém tão puro como você. Eu não estou falando de sexo. Nem de qualquer outra coisa que tenha a ver com esse mundo. To falando de alma, de bondade, de amor.
Desconfiei de você enumeras vezes. Mas hoje percebo que o problema sempre esteve dentro de mim.
Eu tinha medo de perder o seu encanto. Quanto mais medo eu tinha, mais eu me afastava.
Transformar a distância de alma em distância de corpo foi umas das coisas que eu mais odiei fazer nessa vida.
Vazios que me desculpem, mas não ter o amor não dói tanto quanto ter que se desfazer dele.
Mas você merecia a verdade.
Você merecia a felicidade.
Te deixei implorando para você não me deixar te deixar.
Meu egoísmo te fez e talvez ainda te faça sofrer.
Eu não quero isso.
Espero que entenda.
Você sempre foi o únco que soube fazer isso.
Novamente, sem reler, guardei aquela folha em outro envelope vermelho amassado.
Enquanto colava os selos e procurava moedas na minha bolsa, percebi o quanto tudo aquilo parecia loucura. Desejei por alguns momentos voltar para minha época de escola, onde o meu único problema era explicar o porque o dever de casa estava em branco. Mas, não dava. As cartas estavam escritas, e o meu destino estava prestes a mudar de direção.
Do correio até a rodoviária desliguei meu corpo da minha mente. Nunca consegui me lembrar qual foi aquela trajetória de despedida. Talvez eu tenha tomado pela última vez o meu sabor de sorvete predileto ou andado descalço no meio da rua. Vai saber.
Já no ônibus, enquanto via meu passado da janela a quilômetros de distância, percebi que nunca fui boa com escolhas. Por isso escolhi não escolher.