É justamente quando mais se faz força para esquecer, que menos se esquece. E então as coisas parecem tão erradas, tão tortas, tão falsas que talvez a solução seja justamente deixar. Sim, deixar acontecer. Deixar a dor chegar, tomar conta, e esperar que uma hora ela se canse e vá procurar outro corpo, outra história, outra tristeza.
Não dá para ser feliz 24 horas por dia, 7 dias na semana, 30 dias no mês. Hoje é tempo de sentir e sofrer. É tempo de viver o luto, vestir o preto e chorar por uma madrugada inteira. É tempo de deixar as saídas para semana que vem, os sorrisos para amanhã e se sentir humano. Porque ser humano é isso aí. É aceitar ser feliz. E em toda felicidade, a tristeza também faz parte.
Hoje é tempo de não enlouquecer. É tempo de botar a cabeça no lugar, ligar aquele motorzinho do “deixa fluir” e esperar que o tempo resolva o que ficou pra trás. Mas o tempo é um senhor filho da puta. O tempo não escolhe, não seleciona, não separa o que deve ir do que deve ficar. Se ele leva embora, ele leva embora tudo. E tempo, me deixa ficar com essa lembrança, só essa. Vai, tempo, deixa! A pinta do lado esquerdo do rosto, o cheiro do perfume doce ou a forma como o cabelo cai na testa. Mas ele não deixa. Ele é a salvação de toda a crueldade do esquecimento. E quando você acordar num belo dia com a certeza de que tudo passou, acordará também com a certeza de que até o que não podia passar, passou também.
E então um dia você se pega perguntando “qual era mesmo a cor daqueles olhos?”, e não vai mais importar se eram verdes, azuis ou castanhos, porque aqueles olhos já não te olham mais.
O esquecimento é o preço que o tempo cobra por deixar fluir, por levar embora tristezas e arrependimentos. Um preço caro, mas indolor.
Um preço necessário para que tudo fique bem de novo. Para que a vida, a cabeça e o coração abram espaço para novas alegrias, novas memórias e novos esquecimentos.
Hoje é tempo de se fechar para mais tarde ser tempo de se abrir. Hoje é tempo de tempo.