Escreveu estas palavras quase tão naturalmente que sentia como se seu corpo tivesse sido ocupado por outra pessoa e seus pensamentos não mais lhe pertencessem. Então parou e leu. De novo. De novo. De novo. Leu até que seus olhos passassem a acreditar no que as mãos haviam acabado de digitar, seguindo as ordens de um coração que parecia equivocado. Equivocado? Pensou. Sim, equivocado. Equivocado em amar? Não, amar era comum. Amar era dos sentimentos o mais conhecido daquele pobre coração que não hesitava em bancar o mendigo que implora por mixarias de atenção. “Apenas hoje senhor. “Só me ame esta tarde”. “Não vá embora, veja o dia amanhecer ao meu lado”. Amanhã? Amanhã é outro dia e nada lhe custaria ficar de joelhos novamente. “Fique apenas por hoje”. “Só por hoje”. “Me ame. Hoje”. Eita que esse coração se saia muito bem como pedinte. 27 anos e contando. Tamanha era sua destreza que daria um banho nos pobres senhores que pedem há anos nas praças da Sé que existem em todo o Brasil. “E ai senhor, fez quanto hoje?” “Somente alguns centavos, e você coração?” “Eu fiz alguns abraços, um pouco de beijo e uma longa noite de safadeza” “Mas é pra vida inteira coração?” “Não, né não. Mas só por hoje basta senhor” “Certeza coração?” Certeza, certeza, ele não tinha não. Mas o que poderia fazer? Dormir sozinho? Virar-se na solidão? Não, não. A solidão não parecia certa. Parecia tão suja e errada quanto aqueles velhos maltrapilhos que mendigavam há anos. Então coração continuava pedindo. Era o único jeito que sabia viver. Por isso, agora, tinha certeza de que estava equivocado. Equivocado em acreditar que naquele dia quente de dezembro uma alma caridosa havia jogado em sua direção não migalhas que durariam até o amanhecer se tivesse muita sorte, mas um amor pra vida inteira. Um amor que desconcertava, que bagunçava, porque era tão novo e tão certo, que não podia ser real. Equivocado porque não foi preciso pedir. Desta vez coração não teve que fazer números de pirofagia, contar anedotas ou histórias tristes da sua vida de andarilho. Não, não, não. O moço que jogou o amor pra vida inteira ali nos pés do coração, o fez simplesmente porque coração estava ali, no dia certo, na esquina certa, em uma noite quente de dezembro.
A lembrança fazia coração rir. “Mas tu é muito rabudo meu!”. Mas lá no fundo ele tinha medo. Porque o novo dava medo. E coração que estava acostumado a uma vida pedindo, implorando, sempre de joelhos rezando para que aquela sensação durasse até a manhã seguinte, tinha que aprender a ser amado.
“Mas como alguém pode amar um coração maltrapilho como eu? Assim fico até sem jeito”. E por isso só lhe restava agradecer “Obrigada por me amar como exatamente como eu sou”. Ainda que a ideia o desconcertasse, ele estava certo de que nada poderia fazer além de render-se e se deixar ser amado pela primeira vez. Não por uma noite. Mas por uma vida inteira talvez.
“Obrigada moço. Eu também te amo. Mas te amo assim ô, do jeitinho que tu é”.