Eu nunca gostei do jeito que você arruma o cabelo e você sempre soube disso. Eu nunca gostei daquela sua barba mal feita, da sua blusa xadrez e daquele seu relógio de pulso. Pra ser sincera, eu nunca gostei de nenhum relógio até porque todos insistiam em permanecer parados enquanto eu aguardava ansiosamente sua chegada. Eu nunca gostei desses seus olhos castanhos claros que sempre tentaram me dizer algo que eu nunca entendi o que. Eu sempre gostei de você, porém nunca gostei de reconhecer isso.
Você fazia parte do que eu chamava de “baú dos segredos” e, obviamente, fazia parte dos mistérios íntimos que eu pensei que jamais revelaria. Tentativa em vão, eu hei de concordar. Você era o tipo de cara que pede o telefone já sabendo que nunca vai ligar e que mesmo assim, surpreende qualquer uma no meio de uma tarde chuvosa com uma mensagem cafajeste que arranca sorrisos. E assim você repetia o ciclo até conquistar todas que queria e depois praticar o que podemos chamar de “rejeição em massa”. Pobre garoto! Não conhece nada da vida, pelo visto.
Assim como eu diria por aí, você foi mais um que eu aprendi a gostar e aprendi a desgostar na mesma velocidade incrível com que você me excluía da sua vida. Você, sem ao menos perceber, me ensinou o quanto eu nunca precisei de ninguém para conquistar o que sempre quis. Porque no fim, era somente eu, papel e caneta na mão (como está acontecendo agora). Ensinou-me que pessoas se somam e não se completam como acham por aí. E me mostrou a sutil diferença entre acorrentar o coração e somente entrelaçar os corpos. Porque nós, todos nós, somos inteiros e não precisamos de ninguém que nos complete, porque já somos completos por si só. Não precisamos nos subtrair diante de alguém, porque se for pra sentir, então que seja algo que acrescente beleza à vida. Porque se somar é compartilhar. Completar é assumir que nos falta um pedaço – situação que de fato não ocorre.
Para tanto, me sinto honrada de ter sido recebedora de todo seu charme e por suas ligações madrugadas adentro. Porque agora tanto faz o que quer que você faça. Ah, sabe uma coisa que eu nunca gostei em mim? Essa facilidade com que ignoro tudo isso e sigo em frente. Não sei nem sequer seu telefone mais e agora pouco me importa mesmo. Achei que tentaria junto comigo, mas percebi que nunca poderíamos nos somar por completo. Sinto muito, querido. Por mim, acabou a brincadeira e eu te aconselho a também por fim nisso tudo, sinceramente falando.