Entre aspas: Basta um enter

29 de fevereiro de 2012
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Algumas coisas me intrigam muito. Sou usuária das redes sociais, porém não sou dependente. Conheço muita gente viciadíssima. Eu uso – e muito – para divulgar meu trabalho e estar mais perto de quem gosta de me ler. Faz alguns dias que estou sem celular (mudança de operadora, precisa ter o raio de um código, etc.,etc., etc.) e estou vivendo lindamente, obrigada. Não tem nada melhor do que ficar incomunicável. Sem aquela obrigação e/ou curiosidade de checar emails de cinco em cinco segundos. Sem aquela paranóia de verificar Twitter e Facebook. Quem quiser me achar vai ligar para a minha casa. E quem tem o meu telefone de casa são só familiares e amigos chegados. Fora o telemarketing, of course.

Acho que as redes sociais invadiram a intimidade de todo mundo de uma forma bem assustadora. Até que ponto as pessoas estão vivendo suas vidas de fato? Até que ponto a carência aperta? Até que ponto a solidão grita e pede ajuda? Não sei. Vejo uma quantidade absurda de gente carente querendo um pouco de colo. Vejo quem dá indireta. Quem quer ser notado. Quem quer um elogio. Quem quer uma palavra de carinho. E, também, quem quer aparecer a todo custo. Tem gente que passa do limite e faz a exposição da figura de um jeito inadequado.

Não quero saber se você está doidão ou se sua calcinha é pequena demais. E também não quero detalhes da sua vida sexual. Tudo precisa ter limite. Você pode não ser uma vadia, mas se fala e age como uma, me desculpe, mas imagem é uma coisa que a gente constrói. Você pode até não ser um canalha, mas se fala um monte de babaquice é isso que pensarão de você. A gente deve cuidar com o que fala. Mas principalmente com o que fazemos com nós mesmos.

Na internet, ninguém te vê. As pessoas sabem de você pelo que você diz. Pelo que mostra. Tem gente que quer ser um personagem. Tudo bem, cada um sabe o que faz da sua vida. Mas é importante saber se respeitar. Porque na internet as pessoas te julgam o tempo todo (na vida real também, é ou não é?). Acho que não dá pra “cagar e andar”, afinal, ninguém vive sozinho. E é justamente isso que faz todo mundo tuitar loucamente: a solidão. A necessidade de dizer para o mundo coisas que suas paredes não ouvem.

Muitos deixam de viver a vida real pra viver a virtual. Se escondem, colocam suas carências, traumas e urgências em um buraco fundo. Tentam não enxergar a vida lá fora. Sei de casos de pessoas tímidas que na internet snao incrivelmente diferentes. Sei de casos de gente com dificuldade de relacionamento, dificuldade de se aceitar. E ali no ponto com tudo é mais simples e rápido. Basta um enter.

Eu adoro tuitar na sala de espera. E, confesso, adoro fazer participação na novela. Explico: fico tuitando sobre a novela. Não é sempre, é só quando preciso me expressar. De vez em quando tenho essa necessidade de expressão tosca. Uso Facebook para falar com quem não vejo há tempos, para reencontrar pessoas, para falar com quem gosta dos meus livros e textos. É uma troca que enriquece. Através do Twitter, divulgo meus livros, minha linha de produtos, meus textos, meus projetos. E só. Ninguém sabe se me drogo, se transo, onde moro. Ninguém sabe do meu relacionamento. Ninguém sabe quem é meu amigo. As pessoas sabem apenas o que quero que saibam. E é assim que lido com minha vida virtual e real. Porque nem todo mundo é amigo, nem todos torcem por você, nem todos ficam felizes com sua felicidade e sentem compaixão pela sua infelicidade. Simple like that.

Se eu viajo para a casa da minha sogra ou dos meus pais, posso até tirar foto do mar, da serra ou de algum lugar bonito, como um parque ou restaurante. E só. Não entendo quem viaja para um lugar que nunca foi, para outro país, quem conhece outra cultura e fica postando fotos adoidado. Parece que essas pessoas querem viver para os outros. Querem mostrar olha-como-sou-feliz-olha-como-curto-a-vida. Curta a sua vida. Aproveite sua viagem. Viva cada segundo. Tire fotos, sim. Mas viva o momento. Poste as fotos na volta. Descanse, desligue da internet, do mundo. Essa é a minha opinião. Em breve, vou fazer uma viagem linda. E não vou levar celular. O máximo que farei é mandar email para pais e sogros chegamos-e-está-tudo-bem. O máximo que farei é mandar email para o hotel que minha cadelinha ficará para saber se ela está bem. Quando saio de férias eu gosto mesmo é de desligar de tudo.

Existem riscos virtuais. Vejo um povo dando telefone, endereço, informações que a gente não dá assim, pra qualquer um. Falta se preservar um pouco. Preservar a intimidade. Eu brinco dizendo o seguinte: não é porque posto foto da minha cadelinha ou porque digo que preparei um risoto de aspargos que você me conhece. Não. Sou mais do que uma foto, mais que um risoto, mais do que uma reclamação de loja, mais que meus livros, mais que meus textos, mais do que uma tela. Tenho carne, osso, coração. E isso ninguém vê, só quem convive comigo todos os dias. Só quem já olhou no meu olho.

Quer saber quem escreveu esse texto?

Clarissa é Clarissa porque um dia a dona Clara leu um livro e decidiu que assim seria. E assim foi. Depois de passar pelas faculdades de Direito e Psicologia, decidiu fazer o que mais ama: escrever. Concluiu o curso Formação de Escritores e Agentes Literários, na Unisinos. Escreve crônicas, contos, receitas, bilhetes, cartas, cartões, títulos, textos e, se bobear, até bula de remédio. É redatora publicitária e autora do livro de crônicas “Um pouco do resto”. @clariscorrea

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