Uma mulher entra no cinema, sozinha. Acomoda-se na última fila. Desliga o celular e espera o início do filme. Enquanto isso, outra mulher entra na mesma sala e se acomoda na quinta fila, sozinha também. O filme começa.
Charada: qual das duas está mais sozinha?
Só uma delas está realmente sozinha: a que não tem um amor, a que não está com a vida preenchida de afetos. Já a outra foi ao cinema sozinha, mas não está só, mesmo numa situação idêntica a da outra mulher. Ela tem uma família, ela tem alguém, ela tem um álibi.
Muitas mulheres já viveram isso – e homens também. Você viaja sozinha, almoça sozinha em restaurantes, mas não se sente só porque é apenas uma contingência do momento – há alguém a sua espera em casa. Esta retaguarda alivia a sensação de solidão. Você está sozinha, não é sozinha.
Então de repente você perde seu amor e sua sensação de solidão muda completamente. Você pode continuar fazendo tudo o que fazia antes – sozinha – mas agora a solidão pesará como nunca pesou. Agora ela não é mais uma opção, é um fardo.
Isso não é nenhuma raridade, acontece às pencas. Nossa percepção de solidão infelizmente ainda depende do nosso status social. Se você tem alguém, você encara a vida sem preconceitos, você expõe-se sem se preocupar com o que pensam os outros, você lida com sua solidão com maturidade e bom humor. No entanto, se você carrega o estigma de solitária, sua solidão triplicará de tamanho, ela não será algo fácil de levar, como uma bolsa. Ela será uma cruz de chumbo. É como se todos pudessem enxergar as ausências que você carrega, como se todos apontassem em sua direção: ela está sozinha no cinema por falta de companhia! Por que ninguém aponta para a outra, que está igualmente sozinha?
Porque ninguém está, de fato, apontando para nenhuma das duas. Quem aponta somos nós mesmos, para nosso próprio umbigo. Somos nós que nos cobramos, somos nós que nos julgamos. Ninguém está sozinho quando curte a própria companhia, porém somos reféns das convenções, e quando estamos sós, nossa solidão parece piscar uma luz vermelha chamando a atenção de todos. Relaxe. A solidão é invisível. Só é percebida por dentro.
Sobre a autora: Martha Medeiros (Porto Alegre, 20 de agosto de 1961) é uma jornalista e escritora brasileira. Filha de José Bernardo Barreto de Medeiros e Isabel Mattos de Medeiros, é colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio de Janeiro.
Casou-se com o publicitário Luiz Telmo de Oliveira Ramos e tem duas filhas. Estudou no Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, tradicional de Porto Alegre, localizado nos arredores do bairro Moinhos de Vento. Formou-se em 1982 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.
Trabalhou em propaganda e publicidade, mas logo se sentiu frustrada com a carreira. Quando seu marido recebeu uma proposta de trabalho no Chile, decidiu que uma mudança de país seria uma ótima oportunidade para dar um tempo na profissão. Esta estada de nove meses no Chile, na qual passou escrevendo poesia, acabou sendo um divisor de águas na sua vida. Quando voltou para Porto Alegre, começou a escrever crônicas para jornal e, a partir daí, sua carreira literária deslanchou.
*Na tag “entre aspas” divulgamos textos de autores brasileiros. Escreve? Deixe seu link nos comentários. Quem sabe seu trabalho não aparece aqui no blog Depois Dos Quinze?