Que bagunça! Penso, enquanto olho a montanha de caixas e sacolas que estão bem no meio da sala. É, finalmente ou talvez infelizmente, ainda não decidi, minha primeira vez em casa sozinha. Madrugada. Quase manhã. O sol está começando a entrar pela janela. Sempre quis morar em um lugar assim. Bem iluminado. Paredes brancas, piso de madeira e cozinha americana. Fecho a porta, tranco as duas fechaduras como minha mãe ensinou antes de ir embora ontem à noite. Deixo a bolsa no sofá e sento. A vista é tão bonita. Acho que poderia passar minha vida inteira aqui. Olhando as pessoas atrasadas virarem a esquina. Os aviões quase baterem no prédio. A poluição que deixa tudo meio cinza. Brincadeirinha. Tenho uma caixa de entrada lotada para desbravar e pelo que me disseram, de agora em diante, é tudo por minha conta. O condomínio. Os prazos. A vida.
Me dou mais cinco minutinhos. Não de sono. Para falar a verdade, eu ainda nem dormi de ontem para hoje. Estou me dando mais cinco minutos para ficar pensando. No rosto e nome das pessoas que acabei de conhecer. Em como as coisas estão mudando num ritmo louco. Não consigo. Meu estômago não para de queimar. Gastrite resolveu dar as caras, e, veio acompanhada de uma resfriado que me deixou completamente sem voz. Não estou brincando. Culpei o pó do prédio, mas já me disseram que pode ser emocional. Ser sensível é uma bosta mesmo.
Preciso comer alguma coisa. Ainda não ligaram a luz, então, tenho uma caixa de papelão cheia de pacotinhos coloridos e com muitas calorias. Abro o leite de caixinha e aceito a missão de tomar um litro antes que estrague. Não me julguem por gostar de leite puro. É o meu jeitinho.
Nhmmmmm. Entendi. Então ser um adulto de verdade é assim. Será que meus pais sentiram isso quando se mudaram lá para casa há 20 anos? Pergunto depois. Alguém aí viu a bolsinha de remédios? Achei. Estou procurando por algo que faça essa tosse de cachorro parar. Tinha um menino da minha sala, na terceira ou quarta série, que sempre fazia esse barulho no meio das provas. Era um saco. Sei lá porque lembrei disso agora. Foco nos remédios. Mefenâmico. Ibuprofeno. Ciprofloxacino. Definitivamente, eu deveria ter prestado mais atenção nas aulas de química.
Abro a porta do meu novo quarto e respiro fundo, ainda chiando feito rádio quebrado. Maçanetas prateadas. Nem tinha reparado que era assim. Para falar a verdade, estou com a sensação de aqui é um hotel. Ou a casa de uma amiga (invisível?). Estou num sonho e vou acordar a qualquer momento atrasada para o primeiro horário do colégio. Acho que falei a mesma coisa ano passado, quando mudei para o antigo apartamento. Qual é? Tenho dezoito anos e preciso ser uma garota forte. Tipo aquela música da Fergie, sabe? “Big Girls Don’t Cry, la la la la…”
Posso contar uma coisa pra vocês? Quando uma coisa ruim acontece na minha vida, outras cinco boas se tornam realidade. Estar aqui, nesse apartamento, meu apartamento, é uma delas.