Esses dias vi no jornal que finalmente vai rolar o julgamento pra descobrir quem foi que matou PC Farias. Se os únicos PCs que você conhece são o que roda Windows e o Siqueira, vou te contar rapidamente quem foi esse cara: dentre outras coisas como tráfico de influência no Congresso, ele era suspeito de ter ajudado o Collor a roubar durante o governo. (Collor, lembra? O cara que sofreu impeachment? Caras pintadas? Você deve ter visto isso na escola. They were huge!)
De qualquer forma, com isso tudo na TV, minha mãe comentou comigo que quando estavam investigando o caso, as pessoas estavam realmente revoltadas com o PC Farias. Ela lembrou que em 1993 ele foi visto na Tailândia por um turista brasileiro e o cara denunciou ele na hora! E deportaram o danado de volta pro Brasil direto pro xadrez. Ele estava incomodando tanto que acabou morto, né? Mas enfim…
E nesse papo nostálgico, percebi que antes a gente fazia as coisas acontecerem. A ditadura militar caiu por causa de protestos, o próprio Collor saiu deselegantemente do poder por demanda popular. Houve um tempo em que as pessoas se organizavam e saíam na rua pra bater panela e gritar pelos seus direitos. E olha que elas nem tinham eventos do Facebook pra se organizar! Por que nos tornamos esses seres apáticos, que só sabem reclamar de políticos corruptos e que acreditam que o Brasil não tem jeito? Quando começamos a sonhar demais e agir de menos?
Minha teoria é de que a internet e a TV têm muita influência nisso. A internet nos deu poder, aproximou distâncias e fez com que as notícias se espalhassem muito mais rápido. Soubemos do atentado em Boston antes mesmo de ver em qualquer jornal, porque as pessoas estavam tuitando sobre o ocorrido. Diariamente, lemos uma tonelada de notícias sobre problemas sociais, descobertas científicas e até dá tempo de ler uma fofoquinha de celebridades. Mas por que essa informação toda não está virando uma força para melhorar o mundo? Será que existem problemas demais no mundo?
Você é simpatizante dos animais, então quer ajudar bichos abandonados e maltratados, quer que a indústria farmacêutica pare de testar em coelhos e que a indústria da moda pare de enrolar peles na cabeça das mulheres. Mas você também é solidária aos problemas dos humanos: você quer que acabe a fome, o analfabetismo, o desemprego, as péssimas condições de trabalho, o machismo, o racismo, a homofobia. Ao mesmo tempo, você é engajada politicamente: quer que os impostos diminuam, os políticos roubem menos, quer o comunismo ou o capitalismo ou algum outro tipo de ismo. Você estudou, então entende o valor da ciência. Você torce para que pesquisas científicas não percam seu apoio financeiro, para que as descobertas da medicina estejam finalmente ao alcance da população, etc. E, entre uma coisa e outra, você também vê pedidos dos seus amigos pra compartilhar determinado problema de alguém que está com câncer e não tem dinheiro pro tratamento, ou outra pessoa que está há anos lutando para receber uma indenização de determinada empresa.Inúmeros são os pedidos de socorro que aparecem na nossa timeline todos os dias. Tanto problema assim nos deixa absurdamente confusas. Em meio a tenta gente gritando por socorro, só conseguimos pensar em clicar no botão “compartilhar” com a sensação de ter ajudado.
E como era isso tudo na era pré-internet? A gente tinha acesso às notícias pela TV ou rádio. Como eles são controlados por uma fatia da população que pensa semelhante, eles tinham um certo acordo em relação aos temas a abordar. Por isso, a gente via muitas notícias sobre determinado tema e começava a se revoltar, achando que resolvendo esse problema, poderíamos enfim ligar a televisão, ver apenas notícias positivas e dormir em paz. Mas todos os dias era a mesma desgraça e a revolta borbulhava. Isso desencadeava protestos como os que vemos hoje nos livros de história, que realmente fizeram a diferença. O mundo não ficou perfeito, mas pelo menos aquele problema eles riscaram da lista. Eleições diretas? Feito. Presidente ladrão impedido? Feito.
É claro que acabar com a fome é importante. É claro que lutar pelos direitos dos animais é importante. Todas as questões que eu falei acima são coisas que eu mesma levo a sério, e ainda tem mais uma porção que não coube aqui. Mas se não focarmos num ponto só, nossas vozes serão diluídas em meio a tantos protestos de Facebook.
Usar a internet pra se informar e agir não é o problema. Vários protestos recentes aconteceram em outros países graças às redes sociais. O problema é não ouvir. A gente só quer saber de falar o que achamos que está errado e não pára pra ouvir o que os outros dizem. Se nós ouvíssemos mais, entenderíamos quais questões são mais urgentes e possíveis de se resolver. Assim, daria pra população se organizar e focar num objetivo só. Assim como uma torcida de futebol: a gente só consegue entender o que eles estão gritando porque todos estão dizendo a mesma coisa.
[Ainda em tempo: leia aqui uma outra teoria sobre por que os brasileiros não protestam tanto quanto outras nacionalidades]