Eu esperava alguém quando você sentou ao meu lado pela primeira vez. O barulho do metrô era perturbador e eu meio que estava tentando me concentrar para conseguir entender o último parágrafo da página 36 do meu novo livro. Era algo sobre a morte do irmão da personagem principal. Você cheirava desodorante barato e a primeira coisa que meus olhos me mostraram foi sua nuca. Respirei fundo, depois reparei na sua pequena pinta do pescoço e nos pelos do seu casaco cinza. Não sou um Sherlock Holmes nem nada, mas não foi difícil perceber que você era do tipo de cara que tem animais de estimação em casa. Muitos deles. Presumi que você também estava esperando alguém, pois não parava de olhar para a direita. Eu estava à sua esquerda.
Atchim.
Saúde.
Aquela foi a primeira palavra que sua boca, ainda completamente inexplorada, me disse. Confesso que eu detestava quando as pessoas, principalmente desconhecidos, me diziam “saúde”, porque dá a impressão de que vamos morrer a qualquer momento. Eu sei que nós corremos esse risco, todos nós, mas por que diabos precisam ficar lembrando disso? Como se não bastasse o verso do cigarro da minha mãe e o Jornal Nacional.
Dei um sorriso torto e virei a página do livro, sem nem mesmo entender aquele último parágrafo. Foda-se. Talvez eu nem estivesse realmente afim de saber a continuação daquela história, ou, sendo sincera, quisesse te impressionar um pouquinho. “Ela gosta de ler”. Agora você já deve ter percebido, mas eu gosto de impressionar as pessoas. Como não tenho coisas interessantes para contar, apenas viro páginas. Deus, como isso é idiota.
Seu celular tocou e você deu as coordenadas para que a tal pessoa te encontrasse na estação.
Banco verde água. Últimos vagões. Sentido Vila Prudente. Perto do mapa.
Aquilo me deixou desapontada, pois eu estava gostando dessa coisa de flertar com um total desconhecido. Naquela época eu não saia muita de casa, né? Então, apreciava bastante esses pequenos prazeres bestas. Lembro que cheguei a arrumar minha franja umas três vezes e também imaginei se eu estava bonita do ângulo em que você me encarava incessantemente. Porque eu sei, eu senti.
Uma garota sempre sabe quando um cara está olhando.
Torci para que a pessoa desconhecida que estava prestes a chegar fosse uma senhora com verrugas, muitas camadas de roupa e um daqueles sapatos ortopédicos bege. Sua mãe, talvez. Torci também para que não fosse um rapaz. Porque aí você entraria para a extensa lista de garotos homossexuais que conheci nos últimos tempos. Nada contra, sabe? Eles são incríveis e me fazem rir com aquelas comparações sem fundamento das “divas” do universo pop.
Você não tinha cara de quem curtia Lady Gaga, mas, durante a ligação, descreveu o banco como “verde água”. Desculpa, mas até então eu não havia conhecido um homem (hetero) que soubesse diferenciar essas coisas. Para falar a verdade, nem eu sei. Sempre acho que é verde, quando na verdade é azul e vice-versa. Talvez fosse um pintor.
Imaginei você em um apartamento parcialmente vazio com muitos potes de tinta na mesa de madeira, fotos coladas na parede, Engenheiros do Hawaii e uma tela em branco. Depois me veio a imagem de você me pintando em aquarela e minha mãe comentado que eu deveria pendurar na copa lá de casa. Eu estava tão distraída imaginando o futuro que nem reparei que você havia ido embora.
Aquela foi a primeira vez que a gente se viu. Que eu te vi. Vinte e quatro de agosto de dois mil e treze. Fazia frio, Dilma era a presidente do Brasil com 38% de aprovação de governo, minha amiga estava muito atrasada e eu usava um esmalte preto fosco. Foi quando me apaixonei, mas com você só aconteceu depois. Alguns meses depois. Em uma varanda da Vila Mariana, enquanto eu faltava o cursinho de inglês.
Eu olhei e logo reconheci.
Você me encarou e cochichou para o seu amigo que tocava violão sentado na janela (o Toninho). Disse bem baixinho que nunca havia visto uma garota tão linda assim antes. Eu apenas ri.