“Tudo bem com você?” ela disse, enquanto abria a geladeira mais uma vez, só para checar se havia algo bom pra comer escondido em algum canto. Talvez atrás da margarina. Como se os alimentos tivessem vida própria e saíssem do mercado em direção a nossa casa. Pior: como se tivessem feito isso no intervalo de tempo em que abriu a geladeira pela primeira vez e decidiu ir ao banheiro checar se o chuveiro ainda estava pingando.
Peguei a almofada que estava ao meu lado, tirei o chinelo dos pés e encostei minha cabeça em um dos braços do sofá. Fazia frio, então abracei minhas pernas e continuei olhando fixamente para frente. Não respondi aquela pergunta. Acho que porque o silêncio era uma resposta mais apropriada. Teoricamente, nada mais estava errado. Eu não tinha um motivo para dizer que não estava bem. Pelo menos não um motivo que fizesse sentido pra outras pessoas. Minha dor era tão particular, tão específica, tão minha e ao mesmo tempo, tão besta. Seria mais fácil se eu pudesse culpar alguém como todas as outras pessoas fazem, mas eu não sei me enganar. Pra falar a verdade, acho que ninguém sabe. Eles só fingem para que outros pensem o contrário.
Fico imaginando se só eu perco meu tempo percebendo essas coisas.
A televisão estava desligada, mas eu conseguia ouvir a voz do apresentador graças a possível surdez do senhor meu vizinho que mora no 81. Era um daqueles programas de auditório que passa em qualquer canal durante as tarde de sábado. Sei muito bem que esse é um jeito que encontraram para nos fazer sair de casa e socializar com o resto do mundo, mas eu tenho tanta preguiça de contar minha história. Eu sei, no final das contas, é isso que as pessoas querem saber quando se aproximam. Primeiro como estou, por educação. Depois como tudo aconteceu. Não basta o que contaram no jornal. Não basta o que inventaram.
Eu guardo os detalhes só pra mim.
Era cedo demais pra jantar e tarde pra esquentar o almoço no microondas. Mesmo depois de tanto tempo, o ponteiro maior do relógio havia girado apenas onze vezes. O que significava que eu teria que esperar de um outro jeito. Me distrair com alguma bobagem. Fechei os olhos e tentei pensar em algo novo, mas quando se está apaixonado de verdade, qualquer silêncio ou pausa é um convite para viajar no tempo: reviver mentalmente os melhores momentos ou fazer planos para o futuro. Como eu queria ter as duas opções de novo. Essa foi a última coisa que pensei naquele fim de tarde, antes de finalmente adormecer.