O sol já estava quase se pondo quando aquele último raio me alcançou, meio de lado. Parecia me chamar, como se me convidasse a ver o espetáculo diário se desenrolando lá fora, do outro lado da janela.
Não sei o que me deu, mas, desta vez, parece que consegui interpretar os sinais. Só me levantei e fui.
O que descobri foi que nem era para assistir o adeus temporário do sol, na verdade. Era para ir muito mais adiante, como se eu transpusesse aqueles vidros.
Tudo o que vi a partir de então já não era mais o que estava na minha mente. Porque enquanto os meus olhos enxergavam o quintal, a parede do outro lado, um pedaço do céu e aquela árvore de flores amarelas da vizinha, a minha cabeça já estava longe, bem longe. Pegou carona em um trem que passou exatamente no instante em que me levantei.
Eu estava ali, meio fora, como se não fosse mais eu mesma, mas sim uma outra pessoa – que me observava.
E essa pessoa notava o que há muito nem o espelho conseguia me mostrar. Fiquei surpresa com o que meu rosto representava. Não tinha sorriso. Existiam apenas marcas profundas que designavam alguém que já desistiu, já entregou os panos. Alguém que não luta mais.
Parei para pensar nos motivos que me fizeram ficar assim e, de repente, ali de fora, eles pareciam muito menores do que realmente aparentavam ser em meu cotidiano. Era como se eu fosse uma boneca e, esta segunda versão de mim, que vê de longe, olhou a casinha de sapatos por cima e todos os problemas guardados ali, naquele pequeno armário ao lado da boneca.
Eram pequenos. Sim, eram, porque, afinal, cabiam naquele minúsculo armário que eu via ali de cima. O cenário visto assim, minimizado, me mostrava a perda de tempo dela, que era eu, ao se afligir por tudo, por tanto.
Aquilo ali era só mais um dia normal. Ela poderia contornar os contratempos e fazer muitas outras coisas. Podia sair da caixa. O problema é que ela ficava ali, sentada na cama, repassando todos, um a um, como em uma fila, percebendo o que deu ou ainda daria errado. Por quê?
Voltei a mim.
Eu não era mais alguém dividida entre uma boneca paralisada e um segundo alguém, que consegue enxergar. Respirei fundo, percebendo a quantidade de tempo que eu havia perdido a troco de nada.
Eu não seria mais aquela pessoa que deixa os efeitos do mundo caírem sobre seus ombros enquanto permanece soterrada, como se não nada pudesse ser feito. Eu tinha muito aqui dentro – e iria reagir.
Desde aquele dia, procurei ver o outro lado das coisas, mesmo se elas dessem errado. Todas aquelas definições de felicidade pareciam meio toscas, mas, na minha definição pessoal, a verdade da palavra veio com força.
E eu aprendi a ser feliz da maneira mais simples: sabendo lidar com a vida. Porque tudo é uma questão de saber lidar.
Não minto: foi até um pouco louco pensar como é que consegui, enfim, começar a ser feliz. Não ganhei dinheiro, não encontrei o amor dos meus sonhos, não realizei um grande feito. Apenas olhei para mim e olhei para dentro. Foi num simples fim de tarde.