Fazia tempo que ela não se sentia assim. Quando se sentou ali, fitou seus pés e percebeu que ninguém mais fazia isso. Era apenas o olhar dela para ela – sem companhia alguma, ao fundo de um silêncio profundo.
Ela não sabia se achava isso bom, como uma paz sem precedentes, ou se na verdade era ruim, porque às vezes o barulho do nada se torna um tanto ameaçador quando pensamos que, a qualquer momento, ele pode ser quebrado sem avisos.
Tá aí. Viria uma quebra – haveria o momento em que o som se faria valer novamente, e isso era algo que ela nem se questionava. A questão era ainda mais interna: de certa forma, esta solidão era até confortável no momento em que ressoava.
Ficar sozinha representava um olhar singular para dentro. Poder despir-se de qualquer máscara social e ser o que ela quisesse, quantas vezes bem entendesse. Pegar todas as últimas experiências e enfileirá-las uma a uma, espalhando-as por todo o cômodo, como fotos jogadas ao chão – pois, até onde ela sabia, ninguém abriria a porta do nada, trazendo uma lufada de ar que varreria tudo para fora.
Ficar sozinha era a ausência do perigo que o outro representa. Perigo não no sentido de alguém realmente perigoso, tipo um bandido. Mas, afinal, estamos falando de um ser com vontades e opiniões divergentes e, por ocasião, tudo o que isso implica. A disparidade pode somar (e muito) mas, naquele momento, ela só queria o reinado de seu próprio ser – um mera e intensa vontade.
O perigo, ali, era deixá-la escapar de si mesma.
Ela precisava deste momento para repassar o que havia acontecido até então e tudo mais que precisaria acontecer. Se organizar, se planejar, se reencontrar.
Este era o lado bom. Fazia o que bem entendia e dava o tempo que quisesse a cada devaneio. Brincava com seus próprios pensamentos e misturava suas vontades, simplesmente porque era este o lado sem lei alguma da solidão: o da liberdade de se voltar para si.