Não dá para deixar tudo assim, de qualquer jeito na superfície, quando a raiz do que nos cerca hoje está no nível mais profundo de nós mesmos.
Os velhos costumes criam uma cama confortável, cheia de almofadas e cobertores quentes num frio de inverno – daqueles em que as temperaturas caem em graus recordes e acabam virando notícia na tevê. Algumas duplas acabam ficando deitadas ali mesmo, no quentinho, por conta de toda a comodidade que isso traz.
Não se abre a janela para deixar entrar o novo, o sol e o vento, porque… ah, há o vento gélido, afinal. Não estávamos falando de um tempo frio? Encarar a ventania nestas condições não dá. Também não se deixa os raios solares invadirem o quarto, porque a baixa luminosidade criou um costume em seus olhos.
Se algum assunto diferente surge e vê-se que pode causar divergências, logo dá-se um jeito de fazê-lo cair pelo vão da cama. Como uma meia com seus elásticos gastos que acaba escapando do pé e indo morar esquecida na parte mais escura do quarto: aquela que quase nunca se vê.
Mas, bem, existem os dias de faxina. Eles têm de existir. Neste caso específico, são raros, mas existem. E, quando chegam, eis o momento inevitável. Agora a água é mar e os dois sentem que irão afogar-se em ondas revoltas que não cansam de fluir.
Mas é necessário e ambos sabem disso. Sentam-se e deixam a água salgada invadir. Lágrimas, sabe? Elas rolam muito nessas horas também. Neste tempo, todas as coisas parecem sofrer de deficiência de açúcar.
É só por um tempo. Até eles se entenderem. É doloroso, mas, se o amor ainda pulsa, é necessário.
Assim, de peito aberto e coração sincero, cada lado consegue, sem sombras, escancarar seus medos, desejos, anseios e conflitos. Juntos, compreenderão, enfim, que o segredo está em ver o lado mais profundo do outro com empatia caso de fato queiram se resolver.
Entrando nesta caverna imensa deles mesmos, que mal parece ter fim, uma hora encontram a luz. Percebem, então, o tempo desperdiçado no conforto do passado. Por não buscarem se alcançar, ficavam cada vez mais distantes – mesmo estando próximos como nunca.
Dali em diante, tudo vai ser bem melhor do que antes.