Esqueci o celular em casa.
Tá. Ok. Uma hora a recepcionista me chamaria. Mas como é que eu passaria aqueles minutos intermináveis da sala de espera sem o meu celular? Olhei para os lados… e nada, nem uma revista pra contar história. Se ao menos eu encontrasse uma daquelas Caras já toda amarrotada, mesmo que fosse lá de 2003, anunciando o casamento da Angélica, já estaria tudo bem. Também não tinha ninguém com quem eu pudesse conversar. Certo: a verdade que não quero te contar é que, além de a recepcionista ficar bem longe do sofá, até havia gente ali, mas não era uma pessoa que estava com cara de quem gostaria de trocar frases comigo, sabe? Então o negócio era aquele mesmo, ficar analisando os detalhes do bebedouro do canto da sala ou, sei lá, talvez tirar uma soneca.
Fechei os olhos. Me imaginei com o meu celular na mão e fui abrindo o aplicativo do Instagram que habitava os meus pensamentos. Ah, vai, eu sei que escrevendo assim pode parecer meio ridículo, mas aconteceu – e eu não julgaria caso fosse com você.
Não precisei nem forçar a minha cabeça a imaginar o que haveria ali. As coisas foram vindo sozinhas: uma foto de café da manhã daquela garota inglesa que sempre posta uns cliques bem clarinhos. Uma selfie da blogger de maquiagem que me ensinou o contorno correto, mostrando um make esfumado num vídeo rápido e anunciando que daria para conferir o tutorial completo lá no canal. Uma foto de um objeto azul sem muito nexo – abro a conta da pessoa e voi là: o feed seguia a tal cor. Ah, tá. Dei meu like pela obstinação. E então aquele perfil de novidades com uma foto da série que vai voltar no próximo mês na Netflix. Também o cara que comenta os babados dos famosos mostrando o casal do momento em Angra dos Reis. Foto do castelo da Disney daquela amiga que está em Orlando. A loja de camisetas anunciando promoção. Embaixo, um pôr-do-sol daquele carinha das aulas de inglês que curte muito registrar paisagens.
Nos Stories, uma chuva de gente desejando bom dia. Pessoas falando que hoje vai ser corrido. Gente mostrando coisas engraçadas e rindo. Mensagens positivas. Playlists do Spotify com a marcação do horário e a temperatura. Capas de livros, gracinhas com bichos, boomerangs de pés andando na rua, superzoom (tá bombando!) e timelapse do trânsito. Selfie, selfie e selfie. Tem a minha selfie ali também – cortei o cabelo ontem, não foi? Dou uma conferida nas pessoas que já a viram.
Fecho o aplicativo mentalmente. Foram aí alguns bons minutos e a recepcionista avisou que eu era a próxima. Ao voltar para o mundo real, uma questão veio de imediato na minha cabeça: como dedicamos tanto tempo a algo que nem nos surpreende mais?
Afinal, percebo que se trata disso. Estamos nos repetindo e consumindo nossas próprias repetições com uma fome de atualizações que nunca termina. Só que essas atualizações nunca são tão novas assim – já vimos tudo antes. Por consequência, o processo acalma a sensação de que falta alguma coisa para que os dias fiquem completos. E segue nos acalmando sem que a gente se dê conta – enquanto o tempo passa cada vez mais rápido.
Reclamamos tanto da pressa dos segundos que mal percebemos que, neste trem a vapor que nunca para, nós é que estamos colocando a brasa. A mil por hora.
Na mesma velocidade em que a gente rola o feed com os dedos e percebe que o ponteiro que marcava 13h agora já mostra quase 14h, o nosso relógio interno fica cada vez mais acelerado, nos surpreendemos com aquele janeiro que cola rapidinho no novembro. E seguimos sem parar de passar pra frente, ou melhor, de rolar pra baixo.
Será que é isso que a gente realmente quer? Se desejamos aproveitar melhor os momentos, a vida e o tempo, talvez a gente devesse poupar alguns minutos e, vez ou outra, clicar no botãozinho de deslogar. Consumir informação é bom e abre a mente – mas se jogar num ciclo vicioso que nos liga todos os dias à vida das outras pessoas, talvez nem tanto.