Bate a maior saudade. Parece que eu nem vou aguentar. Seria tão bom se estivéssemos juntos agora… Poderia comentar com ele o que aconteceu ontem no trabalho. Eu teria alguém para entrelaçar as mãos enquanto assisto a essa série. Ele colocaria os pés pertinho dos meus e eu arrancaria a minha meia com os dedões para poder encostar a a pele na dele.
É, acho que seria maravilhoso. Ele era legal mesmo, não era? Talvez colocaria os braços atrás das minhas costas e me puxaria mais para perto, falaria umas coisas boas, que me fariam sentir aconchegada – de um jeito com o qual esse sofá não conseguiria competir.
Pensando bem, por que foi terminamos, mesmo? A gente tinha tantos dias bons… Quantos filmes assistimos assim? A gente até dava pause para conversar sobre o que acabara de acontecer (ele bem sabia que eu não conseguia controlar a minha vontade de falar). Logo depois a gente apertava o play cheios de empolgação. Vez ou outra o desfecho não ia por um caminho tão bom, é verdade, aí acabávamos dormindo e acordando só no dia seguinte, enquanto a Netflix estacionava no “tem alguém assistindo?”. Não tinha: já estávamos no mundo dos sonhos há muito tempo. Juntinhos.
Na manhã seguinte, a gente tomaria café e nos despediríamos com muitos beijos. Durante o dia, ele me mandaria mensagens carinhosas, dizendo que já estava com saudade – e eu responderia o mesmo. Ansiosos pelo próximo dia em que a gente pudesse se ver.
Que saudade.
Ei, cérebro, espera.
Talvez essa recordação não seja tão pura. Não era sempre assim.
Muitas vezes, eu escolhia o filme e ele dormia bem antes dos primeiros dez minutos. Mesmo que o longa fosse maravilhoso, ganhador de Oscar e recomendado por todos os amigos; mesmo que eu insistisse para que ele visse comigo, que fosse domingo e que ele já tivesse dormindo uma tarde inteira. Não importa quantas vezes eu pedia. Nunca importava.
Conto nos dedos as vezes que ele lutou a batalha do sono (quando ele mesmo escolhia o título, talvez?). Quando a história terminava, era eu e as críticas de cinema: com vontade de conversar sobre o que acabara de ver, sempre entrava em mil sites para papear mentalmente com aquelas pessoas que eu não conhecia: “Verdade. O diretor pecou um pouco nesses cortes de cena tão rápidos…” e dormia procurando a sua mão. Ele mal se mexia.
Tudo bem. Quem tem culpa de ter sono pesado?
De manhã, eu tentava o romantismo, mas ele já nem tomava mais café. Comia um pão rápido e dizia “você come e depois lava tudo aí?” Tá. Se não tem outro jeito…
Tudo bem. Quem é que não acorda sempre atrasado?
Ele me dava carona. “Você vai me atrasar. Era bom dar um jeito de ir embora sem precisar de mim.” Desculpa. Odeio atrapalhar – mas não tinha outro jeito.
Desculpa, tudo bem. Quem é que aguenta outro alguém dependendo do outro assim?
Durante o dia, ele mandava mensagens, mas não tão apaixonadas. Para falar a verdade, às vezes nem eu mandava. De vez em quando tentava, mas ele levava a conversa pra outro lado, só que eu não queria falar nada mais quente, era 10h30 e eu estava trabalhando a todo vapor. Não conseguia entrar no clima. Por dentro, me sentia culpada, mas não faria algo só por fazer – ainda mais se eu não me sentia bem. Ele bem que tentava… Já o imaginava reclamando para os amigos e também as namoradas me falando depois: “mas amiga, por que você não o agrada um pouco?”
Tudo bem… Não.
Não está tudo bem.
Volta pra cá. Volta para o presente. Desembaralha essa cabeça. Talvez eu esteja perfeitamente bem neste sofá vazio. Que nem está vazio, certo? Estou aqui, eu mesma, e agora está tudo bem. Me poupe, cérebro, não preciso de cobranças, de me sentir falha. Não era tão lindo assim, afinal.