Já que não podemos tomar um café juntos e conversar, vou escrever.
O seu olhar aflito entre uma crise de falta de ar e outra me dizia claramente: “estou cansado.” Um dia, esta frase saiu da sua boca em um tom suave e sereno – e para mim doeu mais do que um soco no estômago. Eu chorei feito aquela garotinha que você colocava no colo e levava para passear na praça, mas, no fundo, eu sabia que era hora de dizer chega.
Custou aceitar que não ouviria mais as histórias da sua infância na Barra Dourada. Que não poderia contar com a sua ajuda para encontrar possíveis familiares distantes na internet. Que eu nunca mais veria seu sorriso e seu olhar de felicidade ao voltar à Praia Grande e ver o mar. Que não teria mais as suas piadas na nossa, tão nossa sagrada hora do café. Que você não apareceria aqui em casa de surpresa escondido da vó. E a lista segue…
Assim como você me ensinou a tabuada no auge dos meus sete anos, aos 23 você me ensinou a enfrentar a condição que me restava: sentir a sua presença através da ausência, sem questionar ou pestanejar. Me ensinou a ser forte quando eu achava que não seria capaz de suportar. A encontrar a esperança em algo que não sou capaz de ver.
Sabe, vô, eu consegui reconfigurar o dia em que a vida levou o meu avô como o dia em que a vida me convidou a enxergar além. Eu sei que, de onde está, você pode me ouvir – e saiba que eu posso te sentir. É assim que vou tentando encontrar a linha tênue entre a falta que você faz e o legado que você deixou.
Assim como a história dos carneirinhos não teve fim, o nosso elo também não terá. Te amo.
Por Andréia Martins Simplicio, 29 anos, Itaporã (MS)
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