Cinderela achou seu sapato em um café. No começo da manhã de uma quinta qualquer. Atrasada para o cursinho, poucas horas de sono e um punhado de papel solto dentro da bolsa listrada com manchas de canetas que ela sempre esquecia de tampar. Cinderela precisava de um café quentinho, mas acabou pedindo suco de laranja cheio de gelo e sem açúcar simplesmente porque não conseguia se decidir sob pressão.
Foi em direção a única mesa vazia, derrubou sem querer os guardanapos no chão e finalmente sentou na cadeira. Colocou o celular na mesa e só então notou que tinham várias mensagens não lidas e ligações perdidas. Ela odiava atender o telefone mais do que odiava o barulho do despertador ou o picles do McDonald’s. Sem motivos ou fugas. Apenas queria aquelas bons e velhos minutos sem ter dar satisfação pra alguém. Era bom sentir isso de novo.
O dia estava cinza e ela ainda tinha alguns minutos antes do segundo horário. Com trilha sonora, ou melhor, fones de ouvido a vida era mais bonita e também mais complicada. Ao som de Katy Perry ela queria ser famosa e mandar o ex pro espaço. Ao som de Avril Lavigne queria passar mais lápis de olho e tirar o all star da gaveta. Ouvindo John Mayer queria virar escritora de romances. Sem música nenhuma queria mesmo era ter uma máquina de teletransporte pra chegar logo em casa, deixar o sapato no caminho e mergulhar, se enrolar e se perder na imensidão da colcha com estampa de bolinhas.
Enquanto bebia o suco em um canudo verde e outro rosa, reparou em um cara que estava na mesa ao lado. Era um garoto de no máximo 20 anos. Tinha cabelo escuro, pele pálida e vestia uma jaqueta jeans desbotada. Estava lendo um livro com capa cinza, que não era 50 tons de cinza, e ao mesmo tempo olhando pra longe através da janela. Logo supôs que ele sofria de amor. Sentiu então uma vontade louca de sentar ali do lado e desabafar sobre as últimas semanas e depois, ouvi-lo falar sobre alguém.
Falar com desconhecidos parecia mais fácil nos filmes.
Levantou com cuidado, pegou a bolsa e a notinha para acertar a conta. Passou pelo outro caminho e quando estava já perto dele, sorriu. O garoto distraído correspondeu com outro sorriso e até fechou o livro sem lembrar de marcar a página. Levantou, derrubando os talheres e em seguida, também foi pra fila do caixa. Os dois trocaram algumas palavras e descobriram que moravam no mesmo bairro e que compartilhavam da mesma situação: novatos na cidade grande.
Ele tinha um jeito irritante de falar tudo rápido demais. Talvez fosse um ex-tímido que se transformou em um garoto bonito. Quero dizer, qualquer garota arrumaria a franja e o olharia na rua. Garotos assim geralmente não ficam sozinhos em cafeterias ou em qualquer outro lugar. Mas ele estava.
Aquela foi então a primeira vez que eles saíram juntos daquele café. A primeira vez que ela não criou expectativa de cara ou sentiu vontade de falar sobre o passado. A primeira vez, e talvez última, que o amor nasceu sem peso, sem preço e sem número exato.