Eu arrastei o corpo um pouquinho para o lado, mas não muito, porque não queria que ele percebesse minhas reais intenções. Não que os meus sentimentos fossem segredo, sabe? É que eu não queria ser a pessoa do (talvez eu deva colocar aspas na próxima palavra) relacionamento que mais se entrega e se envolve. Não daquela vez. Nossos braços se encostaram aos pouquinhos. Nessa hora, ele segurou minha mão e começou a acariciá-la com as pontas dedos. Eu conseguia sentir suas unhas arranharem de levinho minha pele e isso me deixava meio tonta. Como se eu tivesse bêbada, mas juro, eu não estava. Nem uma gotinha de álcool. Não sei se é normal ou se estou ficando louca, mas ele me causava uma espécie de embriaguez. Uma vontade de nunca mais voltar pra casa.
Era quase meia noite e nós ainda estávamos em silêncio. Havia um céu estrelado e o incessante barulho de algum bicho, mas eu nasci e cresci na cidade grande, né? Não conseguia identificá-lo de jeito nenhum. Talvez fossem cigarras, ou grilos, ou corujas… Tanto faz. A grama estava pinicando um pouco minha perna direita, então, supus que também houvessem formigas, mas nem me importei. Apenas varri minha mente em busca de algo interessante para dizer, algo que nos levasse a algum assunto e que isso o fizesse falar. Não tenho certeza se realmente existem mais pessoas assim por aí, nunca conheci, mas ele era um daqueles caras que não abre a boca por acaso. E isso era incrível e ao mesmo tempo uma droga, porque a voz dele fazia meu coração acelerar. Não sei se era o sotaque, o timbre, ou o que ele dizia. Cada detalhe importava. Como não falava muito, eu gostava de prestar bastante atenção. Olhar atentamente os lábios se movimentarem para cima e para baixo. Porque talvez aquelas poucas palavras quisessem dizer mais do que seus significados no dicionário. Talvez, naquela ordem, houvessem pistas.
Deixei escapar alguma coisa boba, acho que uma piada sobre o filme que assistimos mais cedo, e ele apenas riu. Na hora não entendi se foi para mim ou de mim. Um sentimento péssimo preencheu meu peito. Uma culpa devastadora, que às vezes só durava dois segundos. Não era a primeira vez. Na verdade, era sempre assim. Eu dizendo bobagens e me sentindo uma imbecil logo depois. Acho que quando a gente gosta de verdade de alguém dizemos apenas as coisas erradas. E temos que torcer para que a pessoa goste de volta, porque aí ela nem vai se importar tanto. Talvez até ache fofinho.
Instantes depois ele se virou, colocando boa parte do corpo contra o meu. Eu conseguia sentir nossos pés gelados se encostando e também as nossas cinturas. Um encontro de ossos, já que ambos eram magros demais. Havia um cheiro doce no ar, talvez a mistura dos nossos perfumes. Ou as flores do campo. Nunca soube ao certo. Ele estava olhando fixamente para mim, tão próximo que eu nem conseguia focar. Os fios do meu cabelo estavam espalhados pelo chão quando ele acariciou lentamente o meu rosto. Como se quisesse dizer alguma coisa, mas com as mãos. Senti meu coração disparar e fiquei com medo de que ele pudesse notar isso de alguma forma, já que estávamos tão próximos e os batimentos realmente pareciam intensos. Se bem que, talvez, não fosse só o meu coração que estivesse inquieto.
Ele não queria dizer com as mãos. Ele queria dizer com a boca. E disse. Fez.
Dizem que o amor é algo que o ser humano inventou para ocupar sua própria mente enquanto faz besteiras por aí, mas sinceramente acho que nós só nascemos para viver momentos como aquele. Infelizmente ou felizmente, tenho minhas dúvidas, a mágica não acontece sempre. Para algumas pessoas, duas ou três vezes na vida. É como ouvir a sua música predileta pela primeira vez. Às vezes você instantaneamente se dá conta do quão incrível ela é. Simplesmente. Às vezes, é preciso viver coisas para que ela faça algum sentido para você.
Durante a vida, centenas de músicas vão engolir o seu silêncio. Vão te fazer dançar e eu juro, será divertido no final das contas, mesmo depois que você acordar no outro dia, mesmo que não se lembre de todos os detalhes. Algumas delas fazem o tempo passar mais rápido. No entanto, a música que conseguirá te fazer fechar os olhos automaticamente e ouvir o coração daquele jeito, a única, você sabe, eu soube, é aquela.