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Foto via: Alejandro Melero Carrillo

É tarde de domingo. O calor de final de ano já começou a me irritar, mas ligo o ventilador enquanto sento no chão do quarto e reviro o meu passado. Vejo a foto daquele professor que a vida levou para algum lugar melhor – ou é isso o que nós gostamos de acreditar. Odiávamos suas aulas, suas broncas, seus eternos testes de lógicas toda sexta-feira. Mas choramos como crianças quando, dez anos depois, soubemos que ele havia partido. Aliás, falar no plural, como se ainda estivéssemos juntos tantos anos depois é dessas mentiras bonitinhas que gostamos de nos contar. Eufemismos para o coração.

Se eu me concentrar bem, ainda escuto os sons das risadas naquela foto de turma da quinta série, do lado de fora do colégio. Mas é preciso prestar bastante atenção, ou a lembrança escapa pela porta e não volta mais. Fica no canto esquerdo da foto, bem do lado de cima, perto do sol. É ali que mora o play da memória, que me leva de volta a um tempo de problemas fáceis, risadas compridas e brincadeiras de crianças fingindo que eram adolescentes. Dá para me transportar de novo pra lá se eu ficar assim, bem quietinha. Eu juro.

Fechando os olhos, eu ainda sinto os abraços dos amigos que ficaram pelo caminho. Não sei muito sobre a maioria deles. Alguns casaram. Outros tiveram filhos. Outros foram morar em países distantes. Outros apenas sumiram. Não rolou nenhuma briga, nenhum desentendimento, nenhuma raiva ou rancor. Apenas seguimos caminhos diferentes, viramos em ruas sem retorno, deixamos que o tempo guardasse o que era só passado e fomos viver o futuro. A vida não se resume apenas ao tempo de escola. Aliás, a vida não se resume.

Mas talvez uma parte da vida vá ficando ali, na minha caixa de recordações, revirada em um domingo qualquer, quando a saudade bate. E um sorriso tímido aparece no meu rosto, enquanto todas as memórias passam na minha cabeça. Os segredos, as brigas bobas, as gargalhadas, as piadas, as festas. Os anos que dividimos juntos, lado a lado, e que parecem tão longe e tão “logo ali” ao mesmo tempo.

É domingo. 2013. Acabei de fazer 22 anos. A vida mudou muitas vezes neste tempo todo. Mas, numa tarde de novembro, eu reviro as lembranças e vejo que todo mundo que passou tem sua importância. Até quem não ficou, até quem bateu a porta, até quem machucou. Um dia, parece mentira, mas a gente lembra só das coisas boas. E é como Leo Jaime e Leoni cantaram: “o que vai ficar nas fotografias são os laços invisíveis que havia. As cores, figuras, motivos. O sol passando sobre os amigos. Histórias, bebidas, sorrisos. E afeto em frente ao mar”. Acho que é isso o que importa. Não é?