Ainda quando eu era criança, algumas vezes, na hora de dormir, sentia a perna repuxar de uma forma estranha. Como se alguém estivesse esticando o meu joelho de um lado e o meu pé de outro, ao mesmo tempo. Monstros? Forças estranhas? Era apenas a minha imaginação ou havia algo de errado ali? Assustada, chamei minha mãe lá no outro quarto, que me disse, com calma e achando graça, que era “a dor do crescimento”.
Tá aí: dor de crescimento. Aprendi a lidar com ela e, toda vez que aparecia, desavisada, não perguntava novamente para ninguém o que era aquilo. Só me cobria bem e ficava esperando passar. Eu resmungava um pouco, isso é verdade. Mas uma hora ou outra pegava no sono e, no dia seguinte, nem me lembrava do que havia me incomodado.
Parei de crescer no auge da adolescência. E parei mesmo, porque sou baixinha para valer! Mas, mesmo assim, a tal dor de crescimento pareceu me acompanhar. E, sim, ela aparece de vez em quando, sabe?
Como? Certo, não por conta da minha estatura, pois, assim como eu acabei de dizer, já faz um tempo que não cresço mais… A questão é mesmo interna. É que aqui por dentro tudo continua progredindo aos bocadinhos.
Algumas vezes, quando me dou conta, percebo que sou um tanto diferente do que era ontem. Me olho no espelho e noto que a percepção de hoje é bem distinta da que acontecia quatro anos atrás. Me pego pensando nas coisas que me atingiam na época, na importância errada que eu dava para certas questões e até na minha falta de interesse por outros assuntos que hoje fazem parte do meu dia a dia. Que grande maluquice tudo isso, né? Às vezes, parece que era outra pessoa, vivendo lá no passado no meu lugar…
Penso que somos um tipo de perfume em seus diferentes relançamentos: a essência permanece a mesma, mas a embalagem vai se modificando e se modernizando, encontrando novos rumos em meio ao que vivemos no hoje, que é bem diferente do ontem.
Só que nem sempre isso acontece de uma forma calma, silenciosa e tranquila, com um simples “opa!” e um sorriso otimista em frente ao meu próprio reflexo. Tem dias que é mais difícil e me bate aquela vontade de fechar os olhos e tentar me cobrir, só para ver se tudo vai passar mais rápido: porque lá vem a dor.
E dói mesmo, pra valer. É a noção de que, agora, sei quem sou e as coisas só acontecerão por conta do meu esforço. A noção simplesmente sobe e me causa um sentimento estranho, passando a certeza de que terei que me mexer.
Aquilo que me fazia tão feliz já não faz mais, as antigas companhias deixaram de ter a ver comigo, percebi o quanto me equivoquei por pensamentos errados, me dei conta de coisas e pessoas que, antes, pareciam quase descartáveis, além dos tempos desperdiçados e dos amores enganados que afetaram a minha história.
São montes de coisas que, enfim, bem lá no fundo, constituem um sopro de “olha só, pelo menos agora você vê”.
E não tem como deixar escapar algumas lágrimas. É a chuva que vem pra lavar o dia e deixar ir embora o turbilhão de emoções que cada nova percepção me traz. É o corpo todo em seu primeiro novo ato – que age meio descontrolado na realidade que se põe firme em minha frente.
E a realidade nem sempre é tão doce quanto os nossos sonhos.
Por isso eu sei que não há remédio: vai continuar doendo.
Quando penso lá na frente, aceito que ainda haverão inúmeras reviravoltas do destino. Minha vida tem muito o que mudar. Eu vou crescer, mas eu também sei que vou chorar.
Só que tem algo que me acalma, que me faz respirar fundo e recuperar a confiança. Longe de ser qualquer tipo de mágica, é apenas uma segurança que soa aqui dentro, me fazendo lembrar de que é possível passar por tudo – e, na medida do possível, bem.
É a noção de que, agora, eu não preciso da minha mãe gritando lá de outro quarto, porque, dessa vez, sei tudo sobre essa tal de dor de crescimento. E a primeira coisa que aprendi é que ela é perfeitamente normal.