( Capítulo I / Capítulo II / Capítulo III / Capítulo IV)
Os velhos tempos nunca voltam!
Todo mundo, querendo ou não, paga um preço quando começa a fingir que está feliz. Comigo não era diferente. Por mais que eu quisesse seguir em frente, aquelas frequentes conversas com Phelipe me tornavam cada vez mais dependente de lembranças. E não era apenas aquilo. Desde que tudo aconteceu, eu ainda não tinha tido tempo de sentir falta da minha – ex? – melhor amiga. Depois de mais de uma semana, aquele sentimento de raiva começou a se desgastar, e os seus conselhos começavam a fazer mais falta do que deveriam fazer. Nós nos conhecíamos desde sempre. Se aquela idiota não fosse o principal motivo de tantas lágrimas, ela me entenderia perfeitamente.
Enquanto eu observava a paisagem, Matt apareceu com o lindo sorriso de sempre e disse:
– Minha mãe não estava conseguindo encontrar uma de suas milhares de malas. Vamos?
– Claro. – Sorri enquanto levantava e limpava o meu vestido.
Caminhamos mais cinco minutos por uma trilha abandonada, embora o céu naquela manhã estivesse sem cor, o dia parecia perfeito para um mergulho sem muitas pretensões. Percebi enquanto conversávamos que Matt já não despertava em mim os mesmos sentimentos de sempre. Se antes ele era uma espécie de solução, naquele momento parecia mais incógnita com valor oculto. Eu estava cansada de tentar descobrir o resultado de tantas divisões e subtrações. Não me importava mais quantos vértices tinha aquele triângulo – que mais parecia quadrado – eu começava a querer ser apenas um ponto perdido no universo.
Conversávamos sobre algum assunto irrelevante quando finalmente chegamos a beira de uma linda lagoa. Ficamos lá sentados durante alguns minutos. Eu gostava de fechar os olhos e fingir que nada entre eu e Matt tinha mudado. Eu apenas escutava suas palavras e as entendia sem usar o coração. Aquele cara ainda era apenas o meu melhor amigo. Eu tinha vontade de gritar aquilo enquanto ele dizia que me amava de uma forma diferente, mas eu me mantinha em silêncio. Fazer ele sofrer ainda não era uma opção.
– Vamos mergulhar? – Disse ele enquanto tirava a camisa e exibia um corpo – graças à bebida da noite anterior – quase completamente desconhecido pra mim. Os meses de provável academia na Inglaterra e uma nova tatuagem que cobria quase todo o braço fizeram com que Matt ficasse ainda mais atraente. Se eu não o conhecesse tanto, ele provavelmente seria “o meu tipo.”
Aquela tarde passou sem que pudéssemos perceber.
Enquanto esperávamos seus pais já dentro do carro, encostei minha cabeça no ombro de Matt, eu estava realmente exausta. Ele vestia um moletom azul marinho e sua barba estava por fazer, o calor do seu corpo foi o que me manteve quente por aqueles longos minutos de silêncio. Eu já estava quase adormecendo quando percebi o carro andar. Era hora de voltar para casa.
– Te vejo amanhã? – Disse no ouvido de Matt enquanto ele tirava minhas malas do porta-malas.
– Como sempre. – Depois de um demorado selinho, acenei para os Hans e corri para a porta de casa.
Morar perto do centro tinha suas vantagens e desvantagens; meu novo affair seria o assunto de toda a rua. “Ela já terminou com aquele bonitinho?” Outra coisa me preocupava: Ter que descrever o final de semana para minha mãe. De alguma forma eu sempre voltava dos lugares de mal humor.
Eu ainda não tinha terminado de desmanchar minha mala quando o telefone de casa tocou.
– Alou? – Disse sem paciência enquanto descascava o esmalte preto que restava na unha.
– Filha é você? Que saudade… É o papai. – Por mais que meu já não fosse tão presente em minha vida, eu jamais esqueceria a voz dele.
– Oi Pai, por que você não volta logo pra casa? – Alguém precisava ser direta e dizer a verdade naquela casa.
– É uma longa história filha, mas eu já estou a caminho. Devo chegar em casa em algumas horas, e escute só, tenho uma surpresa pra você. – Bem que podia ser um novo coração, imaginei.
– Eu e mamãe sentimos sua falta. Não nos desaponte mais uma vez.
– E o seu irmão?
– Ah, ok… O meu irmão também. – Eu nunca me lembrava que tinha um irmão.
Desliguei o telefone e fui logo contar a novidade para minha mãe.
– Mããe… – Gritei enquanto me aproximava da porta do seu quarto.
– Filha, você estava aí? Quando você chegou? – Eu já me sentia arrependida por ter me manifestado.
Minha mãe não ficou tão animada como de costume quando disse que papai chegaria naquela noite. Ela provavelmente havia cansado de criar expectativas e simplesmente ter que engoli-la com o vento em seguida. Meus pais se amavam, disso eu não tinha dúvida, mas tanto trabalho fez com que a distância adormecesse o amor que sentia um pelo outro. Uma pena.
Depois de um banho quente e algumas palavras escritas e logo apagadas no vapor que se formava no espelho do banheiro eu me sentei na frente do computador enquanto terminava de pentear o meu longo cabelo. A internet não estava funcionando, meu irmão provavelmente havia aprontado uma das suas. Sem internet, me senti tentada a bisbilhotar algumas imagens e históricos que sobraram da minha última operação sem-passado.
Oi Meu amor, como você está? Vi sua mensagem agora e estou com pena de ligar e te acordar. Não tenha medo de me perder, eu nunca deixarei você sozinha. Pare com essa mania de ver adeus onde só existe eu já volto. Eu estou deixando sinais de despida para você. Odeio te ver insegura. Eu sou viciado em Danoni, esqueceu? Te vejo amanhã cedo na aula. Guarda meu lugar se ler isso ainda hoje.
Eu ficava imaginando se quando ele escreveu aquilo ele já não gostava de mim, eu ficava imaginando se um dia ele já havia realmente gostado de mim. Aquele sorriso das fotos parecia tão verdadeiro – e eu parecia tão idiota.
Eu já quase adormecia quando escutei a voz rouca do meu pai. Muitos beijos, abraços e uma inesquecível surpresa: um lindo vira-lata branco e preto que ele havia encontrado abandonado na estrada. Aquilo não era um novo coração, mas era um motivo para eu sorrir de verdade naquele resto de noite. Mesmo estando sempre longe, meu pai sabia como me fazer feliz.
Era realmente muito bom estar perto de um homem que me amava de verdade sem esperar nada por isso.
Deixei meus pais e meu irmão conversando na cozinha e levei o meu mais novo amigo para o quarto. Aquele pequeno animal ainda sem nome escutaria muitos desabafos naquela noite.
Continua.