Era dia de limpeza.
Ela abriu todas as gavetas, deixou as portas dos armários escancaradas e tirou a roupa de cama. Arrancou o tapete do lugar, desencostou a mesa da parede para ver o que havia caído atrás dela e retirou a cortina para que o vento pudesse ocupar ainda mais espaço no ambiente. Está aí: era justamente isso que buscava.
Ela queria ver tudo de forma melhor, limpar as coisas que acumulara durante a vida e deixar o peito aberto, pronto, livre e desimpedido.
Eram muitas lembranças, mas nem todas boas. Algumas a incomodavam, mas, assim como sujeira que mancha, elas ficavam gravadas como caneta permanente na capa do sofá. O que ela decidiu, então, para alguns poderia ser meio drástico, mas naquele momento era o que deveria ser feito: jogaria fora a própria capa do sofá.
Havia chegado o momento. Aquelas coisas tinham que ir embora. Os velhos sentimentos também deveriam a deixar. Agora ela sabia diferenciar o que era apenas espaço ocupado à toa e poderia muito bem desapegar e deixar pra lá.
O que de fato faria falta? Quando olhasse para sua mesa de cabeceira, agora vazia, iria procurar o porta-retrato com a foto que ele abrigava, o lembrete carinhoso que existia ali e as memórias rabiscadas no velho caderninho. Porque tem coisas que, por mais que doam, acabam ficando confortáveis de uma forma ou outra.
Mas, desta vez, corajosa e decidida, ela reuniu forças… e limpou, limpou e limpou cada centímetro de tudo o que precisava limpar. Deixou novos ares correrem pelo quarto e se viu sentindo o cheiro do recomeço e o frio na barriga que sempre invade o que ainda está vazio. Ali era ela, no ponto zero, pronta para começar. O dia seguinte, com certeza, traria novos ventos.