você está lendo Uma pintura de céu com nuvens no teto

Consigo dividir as fases da vida através da estética do meu quarto e eu gosto disso. Sei que pra muita gente o decoração é só um mero detalhe, mas por aqui vocês já devem ter reparado que faz parte da minha personalidade me expressar através dos itens que escolho ter a minha volta, principalmente no lugar que eu durmo e acordo. De alguma forma isso reforça como me sinto ou como quero me sentir. É claro que trabalhar com fotografia e gravação na internet há tantos anos potencializou isso.

Em algumas fases da adolescência ocupei quartos extremamente coloridos, cheios de colagens de bandas e filmes que de alguma forma gritavam e anunciavam o fim da minha infância. Em outras, quando vim morar sozinha em outra cidade, escolhi elementos mais lúdicos e delicados que alegravam a minha criança interior. Era como se eu precisasse desse lembrete dentro de casa pra sair e assumir novas responsabilidades de gente grande. O mesmo aconteceu com o meu estilo e eu falei sobre nesse vídeo aqui.

Hoje em dia, com 30 anos, sinto que gosto mesmo é de estar num quarto que ajude a minha cabeça a se desligar do resto do mundo e do meu trabalho. Foi por isso que na época que estávamos pensando no Estúdio Bruvie, decidi fazer o menor cômodo do apartamento ser o ambiente do quarto e não colocar muitos elementos que ocupariam ainda mais o espaço. Apenas a cama, cabeceira, televisão, luminárias e o teto com o céu abrindo. Aliás, quem fez essa pintura linda, inspirada em uma loja da Ladurée que fui em uma viagem, foi o ateliê da Daniela Saraiva.

Por que tô contando tudo isso? Porque dormi lá sozinha pela primeira vez depois que a obra acabou e foi uma experiência curiosa. Penso que chegar em um ponto da vida em que se é uma boa companhia pra si mesmo é um feito que merece ser celebrado. A diferença de solidão e solitude eu aprendi ao longo dos meus 20 e eu chego aos 30 colocando em prática o que era teoria. Colocando em prática por opção, não por necessidade. Sozinha eu me entretenho com as coisas que vivo, sinto e imagino. O outro ainda é muito bem-vindo aqui, mas minha felicidade não depende da sua presença pra ficar. Confesso que eu ainda escorrego um pouco na rotina sozinha e nos horários, mas acho que isso é normal quando você mora junto e se adapta ao outro.

Estar há 3 anos em uma relação saudável é um privilégio, mas algo me diz que eu só consigo permanecer inteira dentro dela, pra dinâmica continuar sendo essa, se eu também estiver bem comigo mesma. Isso muitas vezes significa ter meu espaço, meu tempo, meu silêncio e meus intervalos. Do meu ponto de vista, não precisa ser uma questão. Vivemos uma história inteira antes do primeiro parágrafo dessa. Respeitar isso é revolucionário. Vez ou outra, lembrar como é ditar o ritmo sozinha é importante.

Dentre as possibilidades que o dinheiro do meu trabalho me permitiu ter, essa é uma das que celebro. A autonomia e a liberdade para escolher sem pedir permissão o que é de fato inegociável pra mim. Falam pouco disso e eu gostaria de começar essa conversa aqui pra você continuar com as mulheres da sua vida. É importante se dar tempo pra se ocupar de si mesma antes de se ocupar com as funções das relações românticas de forma geral. Quero dizer, é uma parte importante do processo de escrever uma história junto com alguém e continuar fazendo parte dela integralmente. Fazer um sonho que é só nosso também ter importância e ser alcançável, sustentável e possível. Fica difícil dizer qual prato é mais importante quando você está equilibrando muitos ao mesmo tempo.  A gente tende a deixar de lado partes nossas que são fundamentais e aí todas as outras vão perdendo a graça pouco a pouco.

Decorar pra mim é um jeito de me lembrar do que eu gosto, do que eu preciso e também de como eu me transformei. Esse quarto que acolhe meu corpo, meus medos, minhas fragilidades e os sonhos que eu ainda quero ter. Uma página em branco de uma história nova que tá só começando.

Fotos tiradas com a minha câmera Fujifilm X100F