Se você mora ou esteve no Brasil durante as últimas semanas provavelmente suas histórias foram vividas com algum nível de chorinho e samba como trilha sonora. No maior dos volumes de dentro do bloquinho em busca de uma boca bem bonita pra beijar ou por alguns segundos ao atravessar o centro da cidade de carro. É quase impossível ignorar o Carnaval no Brasil e seria uma bobagem sem tamanho fazer isso propositalmente. O clima é bom. As pessoas estão felizes. Se você souber como se fazer feliz, a felicidade do outro não te incomoda e nem vem ao caso.

Aqui em casa, nós fizemos assim: fomos para o interior para que meus pais pudessem ir para o interior também. Passamos alguns dias em Atibaia cuidando dos cachorros, pássaros e do quintal. Pai e Mãe Vieira foram festejar com os amigos de infância lá em Leopoldina. Que eu me lembre essa foi a primeira vez que fiquei (digo, ficamos) lá para que eles pudessem viajar, e cuidar de uma casa tão grande me fez perceber o real tamanho dela.

Cresci em um sobrado que ficava em cima da casa da minha avó, então não tínhamos um quintal. Isso fazia com que os meus pais vivessem visitando os familiares que moravam na roça e eu sempre ia junto. Pela comida, pelas fotos lindas que tiraria pra postar no Orkut e também pelas memórias. Quando finalmente tivemos condição de alugar e depois construir uma casa com quintal lá em Atibaia, eu sabia que seríamos muito felizes ali.

Passaram-se 10 anos desde que a casa começou a ser construída e toda vez que atravesso o portão e vejo a fachada parece que o tempo não passou. Tirando a ausência da Inha e o meu irmão que casou e foi morar em um apartamento com a esposa, a sensação ainda é de sonho recém realizado. É um patrimônio antes de todas as outras coisas, mas é também segurança emocional. Quando você vem de uma outra realidade, ter pra onde voltar significa mais do que um endereço. É uma garantia de que até nos períodos mais instáveis, teremos um lugar legal pra ficar. Na época que a obra acabou eu estava tão preocupada com o futuro que uma parte minha não estava realmente ali. Acho que aproveitar mesmo, com calma, só foi possível mesmo em 2020, mas naquele ano do portão pra fora parecia que o mundo estava desmoronando.

Lembro de acordar bem no meio das piores semanas da pandemia, com quatro dedos de raiz do meu ruivo desbotado, olhar em volta e me dar conta de uma gigante sutileza da rotina: eu continuava escutando os mesmos barulhos da minha infância. Os mesmos. Minha mãe chamando meu pai com um berro da janela, meu irmão trabalhando do computador e o barulho da tecla de madrugada, a Inha assistindo algum programa duvidoso no SBT e o cheirinho de alho refogado vindo da cozinha. Era triste demais ligar a tv e ouvir o número de mortes do dia anterior, e isso me assustava tanto que eu me apaguei ao sentimento de gratidão. O privilégio de simplesmente poder estar ali com todos eles. Preocupados, mas saudáveis. Isolados do mundo, mas juntos. Eu tive uma infância cheia de afeto que de alguma forma segue se fazendo presente em cada decisão que eu tomo. Em meio aos dias horríveis que todos vivemos naquele ano, foi nessa ideia que eu me apeguei pra pegar no sono.

“A infância é um chão que a gente pisa a vida inteira.”
– Ariane Osshiro

Estamos em 2025. 5 anos depois. Uma parte de mim ainda sente algum nível de ansiedade quando eu me vejo num dia totalmente sem compromissos, mas agora eu sei o quanto isso é importante pra minha cabeça. Foi exatamente isso que fiz. Muita coisa, sem precisar fazer nada. Montamos uma academia com pesinhos no quintal, dei algumas voltas no bairro dirigindo, fui assistir ao Oscar na casa da Auana em Piracaia, levei Amélie e a Mia para passear e fiz algumas fotos das cenas que eu achei mais bonitas ao longo do dia. Pode parecer um Carnaval sem grandes aventuras, mas era exatamente o que eu queria viver.

Voltamos para São Paulo na quarta, na sexta gravei um trabalho muito importante (!) com a produtora no estúdio e sábado acompanhamos alguns amigos que estavam visitando a cidade e ficaram hospedados aqui na rua. O dia estava lindo, então almoçamos no Capim Santo (acho um ótimo lugar pra levar qualquer pessoa de fora que queira experimentar a culinária brasileira). Em Pinheiros, viramos na esquina e fomos surpreendidos por um bloquinho lotado, seguimos até chegar na Feira Benedito Calixto. Esse era o nosso objetivo já que nossos amigos estão construindo uma casa e queriam ver itens decorativos antigos. Reparo agora que muitos dos nossos amigos estão vivendo fases assim e isso me alegra muito.

Lembra do futuro que eu vivia preocupada? Ele tem acontecido o tempo todo.

Fotos tiradas com a minha câmera Fujifilm X100F

posts favoritos
novidades

O livro “Feminismo em Comum” e as reflexões de Marcia Tiburi sobre o movimento

Escrito pela filósofa Marcia Tiburi, o livro “Feminismo em Comum: Para Todas, Todes e Todos” nos interessou de cara. Quase tudo o que sabemos e aprendemos sobre o movimento feminista veio quase inteiramente da internet ou de livros que tratavam disso, mas que••• Continue Lendo

O que estes looks básicos de uma fashionista da Austrália nos ensinam?

Uma grande questão para quem ama looks básicos, mas não gosta de vestir sempre as mesmas composições: como sair do óbvio sem trair o próprio estilo? É bem aí que a Naarah Rose vem te ajudar! Descobrimos o Instagram da fashionista australiana e••• Continue Lendo

Passeando por Santa Monica: vamos para o Píer?

O Píer de Santa Monica já tem uma história e tanto com este blog: a Bru foi até lá pela primeira vez com um grupo de amigas (a Fê estava também!), voltou quando fez intercâmbio com a CI, depois passou por ali com••• Continue Lendo

Um grupo para chamar de “nós”

Estava saindo com um pessoal que não tinha muito a ver comigo.

Sempre me considerei o tipo de pessoa que se acha eclética para tudo, que diz gostar tanto de cinema quanto de conversa de bar, que vai a shows, mas também curte baladas… Aquela••• Continue Lendo

Vai fazer uma compra? Pense nestes tópicos antes

Oie! Tudo bem por aí? A gente já quer adiantar que este post é um exercício não só para você, que está lendo do outro lado da telinha, mas também para nós, que estamos escrevendo-o. Quando o assunto é consumismo, podemos falar algo••• Continue Lendo

Carta para a minha alma ansiosa

Querida alma ansiosa,

Não é fácil essa coisa de confessar e confiar a vida a alguém – e por incrível que pareça, foi assim que me senti nos últimos anos, quando entrar em salas de psicólogos se tornou quase a mesma coisa que entrar••• Continue Lendo

Loja de terça: as camisetas e causas importantes da Moko

A loja de hoje fala muito sobre causas: a Moko produz camisetas pensando em seu impacto social. Além de cuidar de todo o processo de seu comércio, estimular a economia criativa, fazer produtos 100% brasileiros e valorizar os produtores locais, as peças da Moko ajudam••• Continue Lendo